Sufismo e a pureza do coração

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Perdoar e perdoar e estar imune à vaidade
Shaykh Nazim al-Haqqani an-Naqshband

Em certa oportunidade, o Profeta Muhammad (saws) estava sentado com seus companheiros, e ao perceber que um homem vinha se aproximando, disse: “Ó meus companheiros, se vocês querem contemplar um dos habitantes do Paraíso, vejam aquele desconhecido que está vindo em nossa direção”.

O visitante chegou e tomou seu lugar entre a congregação. No dia seguinte e ainda no outro, o Profeta (saws) deu as boas novas aos seus irmãos, sobre a felicidade eterna daquele homem (sem dizer nada, entretanto, àquela pessoa).

Com frequência eu tenho ouvido pessoas proclamarem possuir corações puros. Especialmente as que rejeitam religião e práticas místicas tradicionais. Adoram dizer isso. Nós não proclamamos coisas desse tipo, pois acreditamos que o nosso caminho é o caminho da purificação, e que os esforços deveriam nos dirigir na direção correta.

Quem quer que pense de si mesmo como uma pessoa de coração puro, deveria ter cuidado com esta consideração e reexaminar sua postura sob essa luz, ou seja, a luz que indica que o nosso caminho é o caminho da purificação. Isto assim chegou a nós através de Abdula, filho de Omar, segundo Khalifa do Islã.

Quando Abdula ouviu o Profeta (saws) louvar esta pessoa três vezes, decidiu segui-la até sua casa e procurar suas bênçãos, assim como seu conhecimento dos meios que exatamente o levaram a atingir uma estágio de perfeição na sua vida. Quando Abdula chegou na casa do homem, bateu em sua porta, recebeu boas vindas e foi convidado a entrar.

O anfitrião perguntou-lhe: “Posso saber o propósito de sua visita?” Então Ibn Omar relatou-lhe tudo que o Santo Profeta (saws) disse sobre ele, nos três dias anteriores. O homem disse: “Eu sei”. Abdula Ibn Umar continuou: “Ó meu irmão. Gostaria de ser uma dessas pessoas afortunadas e ter assegurado um lugar no Paraíso enquanto ainda estiver vivendo neste mundo. O que fez para alcançar tamanha distinção na Presença Divina? Que austeridades praticou? Que super-rogatórias (atos de devoção) fez?”

O homem respondeu: “Ó Abdula, eu não adoro mais do que você, ou que qualquer outra pessoa. Essas boas notícias não são resultado da minha austeridade nem da minha devoção. Existem, entretanto, três atributos que tenho cultivado, os quais prezo muito, como cultivador de pérolas raras.

Primeiro quando deito na cama antes de dormir, digo a Allah: ‘Ó Allah, se qualquer dos Seus servos me causou mal hoje, com sua mão ou com sua língua, o perdoei totalmente e jamais me queixarei dele para ninguém, nem para Você, nem agora, nem no Dia do Juízo. Você é minha testemunha que a todos perdoei. Agora, e para sempre. Aqui, e na eternidade.”

Eu preciso perguntar a todos os que afirmam serem puros de coração: Podem perdoar desta maneira? (Ou cobrariam retorno por uma simples grosseria, ou correriam para o Tribunal para disputar 6 centavos?). Iriam correr para o Tribunal por causa de 6 centavos ou retribuir um desaforo com uma reação desmedida? Quando bofetados, dão a outra face ou respondem com 10 bofetadas? Guardariam ressentimento durante muito tempo? Se reagem dessa maneira à provocação, precisam saber que estão cultivando sujeira e doença, não pureza.

Não guardem rancor, porque seu fruto é o ódio e a inimizade. E a sua pureza, onde está?

Então Abdula disse: “Hummm… Este é um atributo muito difícil de seguir. Diga-me qual é o segundo atributo, talvez seja mais fácil de alcançar.” O homem disse: “Olhe, se me desse o mundo todo e seus tesouros, e o povo tivesse que me prestar obediência dizendo ‘nós estamos fazendo de você o nosso rei, e colocando esse imenso tesouro a sua disposição; por favor tome o seu lugar agora no trono imperial e nos mande fazer o que queira, seu desejo é uma ordem’, não me sentiria nada gratificado ou feliz com isso.

E qual é o sinal de que realmente me sinto assim? Este é o terceiro atributo, e confirma o segundo; é a prova de que não ligo para riqueza e poder. Porque se este mesmo povo viesse a mim no dia seguinte, abusasse de mim e me chutasse do trono dizendo: ‘Vá embora.

Nós não aceitamos um rei tão tolo que não se sente feliz por ser coroado rei, nem agradecido por ser soberano de todo esse mundo outorgado a ele, nem com todas essas riquezas e tesouros’, não ficaria minimamente sentido, mas muito, muitíssimo aliviado”.

São estes atributos tão fáceis de alcançar que todo o mundo pode sair por aí dizendo que tem pureza de coração? Se alguém nos desse uma casa – em qualquer lugar – seríamos felizes? Certamente, se ele viesse no dia seguinte e pedisse a casa de volta, nós lamentaríamos. Então, imaginem o que seria tendo o mundo sob o seu comando! Uma renúncia como esta, é um sinal de que o ponto máximo da fé foi alcançado.

Allah disse: “O mundo material tem menor valor para mim do que a asa de um mosquito.” Aquele desconhecido alcançou a certeza disso; levou esta sabedoria para o coração e parou de ambicionar este mundo. O verdadeiro crente dirá:

“Ó Allah, o quanto valha o mundo material para Vós, que assim seja também para mim.”

4 COMENTÁRIOS

  1. Nossa, como é difícil trilhar esse caminho.Tenho ainda tantos obstáculos, tanta coisa para ser removida, enfim.
    Mas continuemos no caminho …
    Texto maravilhoso!
    Obrigada

  2. Religiões como a cristã usam do que esta escrito na biblia para digamos ‘programar’ psicologicamente desde a infancia a maneira de perceber o que é o bem e o mal. Devemos então abrir mão de nossa sensibilidade e crer, isto é simplesmente aceitar que por exemplo idéias estranhas como “jesus morreu na cruz para nos libertar dos pecados”, e seguir rituais infantis ou repetir rezas ou orações e suplicas, atraz de beneses para si ou outrem. Porque não amar simplesmente, nos destituindo dessa gravidade e sabedoria que nos faz impiedosos, para com as outra formas de vida. Por exemplo comprando carne sem se preocupar com toda a crueldade nas granjas, mobiliando a casa, aproveitando os menores preços conhecendo a destruição das florestas etc. As idéias contidas nos livros ditos sagrados serviram a sua época e a ainda oprimem. Será que o homem atual cada vez mais, com sua tecnologia e suas crençãs vazias se postou num altar achando-se deus, afinal é difundido que Deus o fez a sua imagem e semenhança. De que vale todos esse estudo e não sentir a realidade do mundo a sua volta. Obrigado

  3. se nos pegarmos de um momento a outro em uma ilha deserta e entao começar a chover e fazer frio, entao devemos começar a contruir uma casa para nosso conforto e bem estar. depois devemos achar um modo de nos alimentarmos da melhor forma possivel. entao a materialidade é ncessario em nossas vidas,porque somos seres materiais e vivemos em um plano material. nao podemos simplismente abrir mao dos mantimentos que possibilitam nossa existencia na terra ou do trabalho que é o verdadeiro sentido da vita nesse plano. temos que viver dentro do sistema de sol a sol no tempo e no espaço com estabilidade e segurança.

    • “Estar no mundo, mas não pertencer a ele”. – era um antigo ditado esotérico.

      Não se está apregoando que vc abandone “tudo” (seus compromissos sociais, seus deveres de pai, filho, marido ou irmão, seu trabalho, nem o sustento de seu corpo, etc.). Apenas que abandone a si mesmo – se for o que busca (nunca é demais lembrar que não se está querendo forçar alguém para que faça o que não quer). Que deixe de pensar que isso acima descrito é “tudo”…

      Ou seja, que vá trabalhando sobre si mesmo (conforme os textos do link “Psicologia Gnóstica” e os livros da Área Restrita), desintegrando seu ego, renunciando a ele… Quando tiver “morrido” dentro de si mesmo, passado pela morte psicológica, reduzido a cinzas o “satan” interior (leia “Psicologia Gnóstica”), então ainda que você possua uma vida muito confortável, já não se identificará/ fascinará/ não se deixará “encantar”/ hipnotizar, por ela… Terá se libertado de “Maya”, a ilusão… e, consequentemente, de toda dor e sofrimento.

      Então, ainda que aconteça alguma coisa e vc perca tudo (seus bens materiais), como no exemplo de “pedirem a casa de volta”, vc não se abalará, em absoluto. Porque já não tem o apego psicológico a esses bens… E aí vc terá sabedoria para lidar com a situação…

      Podemos usar o dinheiro que ganhamos. Tudo depende de como vamos usá-lo, para quê. Viver bem, manter a família, proporcionar coisas proveitosas ao Espírito ( como ajudar outras pessoas, outras famílias, montar escolas, ONGs, templos, restaurar florestas, ter acesso a materiais esotéricos raros ou de difícil acesso, enfim, qualquer coisa que se disponha a fazer com o Coração; enumerei só exemplos que me vieram à cabeça, a título meramente ilustrativo)… Ou gastar em “haves”, jatinhos particulares, mansões, orgias, drogas, “divertimentos”… que só alimentam o ego… Esbanjar, desperdiçar, “torrar” dinheiro e riquezas, enquanto milhares de pessoas não conseguem nem se alimentar… Tudo isso como uma droga: proporciona uma sensação fugaz de prazer muito momentâneo, que não é de maneira alguma a Felicidade… e que tem de ser renovada sempre… E quando perdemos “tudo”, cremos que perdemos a Felicidade… Pobres de nós… ainda que tenhamos o mundo inteiro, estamos paupérrimos por dentro…

      O homem é o fim; o trabalho é o meio (como diria Kant) e não o contrário… O homem é o fim de todas as coisas criadas por e para o homem. Não se deve escravizar o homem para obter a coisa, isto é absurdo… Somos sujeitos e não objetos.

      http://www.gnosisonline.org/psicologia-gnostica/o-caminho-iniciatico-no-dia-a-dia/

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