“Tu és o mundo –
mas como Tu podes ser visto?
não és também a alma?
porém como podes Te esconder?
Como podes Te manifestar?
Pois estás sempre oculto.
Mas como podes estar sempre oculto
se és eternamente visto?
Oculto, manifesto,
ambos a um só tempo…
Não és isto, nem aquilo –
Mas és ambas as coisas.
Se Tu és tudo
então quem são todas estas pessoas?
E se eu não sou nada
por que tanta agitação?
(Lama’at)
Plotino declarou que a percepção interior, a razão e a experiência devem se combinar para quem quer que almeje conhecer verdadeiramente. No Islã, bem como em todas as religiões formais baseadas na revelação, a experiência é suplantada pelo afflatus da revelação – o Alcorão e os hadith, ou ditos tradicionais atribuídos a Maomé. Este aspecto do conhecimento espiritual putativo é guardado e protegido pelos mutakallimum, ou teólogos, e os ‘ulama, os versados na lei Corânica.
Embora a liberdade interna dos místicos Sufis deixasse os teólogos e os filósofos desconfiados, uma religião sem sacerdotes não poderia negar a possibilidade intrínseca da teofania. Nem impediu os místicos de professarem uma fé e entendimento filosófico profundos.
Assim com os teólogos muçulmanos aprenderam a fiar-se na fé, os filósofos deram voz à esperança, e os Sufis se tornaram os porta-vozes por excelência do amor divino. O florescimento de pensamento criativo nos séculos 12 e 13 produziu uma pequena idade dourada para os Ensinamentos Sufis, e Fakhruddin ‘Iraqi emergiu como uma estrela brilhante naquela seleta constelação de luminares que iluminou o caminho para outros.
Um mês antes de Fakhruddin Ibrahim nascesse, seu pai sonhou com Ali, o genro de Maomé e patrono dos sufis. Uma pessoa colocou uma criança no chão diante de ‘Ali, que a apanhou e, entregando-a ao pai, disse: “Toma nosso ‘Iraqi e cria-o com desvelo, pois ele há de ser um conquistador do mundo”. Assim, o nascimento de Fakhruddin Ibrahim, em 1213, foi recebido com grande alegria. Ele nasceu na vila de Kamajan perto de Hamadan, na região da Pérsia conhecida como ‘Iraq-i ‘ajam, e ele veio a ser conhecido como Fakhruddin ‘Iraqi. A criança entrou na escola com a idade de cinco anos e em nove meses já conhecia o Alcorão de cor.
Com oito anos ele já era famoso em toda a região por suas recitações melodiosas e tocantes dos textos sagrados. Ele se voltou com igual habilidade para outros estudos, e com dezessete anos já havia aprendido tanto as al-’ulum an-naqliyyah – as ciências transmitidas – como as al-’ulum al-’aqliyyah – as ciências surgidas pela razão e investigação humanas. Um dia um heterogêneo grupo de Qalandars chegou à cidade de ‘Iraqi, e sua vida mudou para sempre.
Os Qalandars eram místicos que perambulavam como devotos do Divino sem residência fixa. Renunciando à riqueza, posição e estima pessoais, eles viam as convenções sociais como armadilhas e máscaras da hipocrisia, e fugiam da aprovação dos leigos. Uma vez que os bandidos e párias achavam conveniente imitar as maneiras Qalandar, os verdadeiros andarilhos sem casa eram ainda mais denegridos e desprezados – uma ironia com que não se importavam.
Como os outros davam sua hospitalidade com má vontade a este pequeno bando perambulante, ‘Iraqi sentiu surgir em seu coração uma grande efusão do amor, e quando os Qalandars partiram ele ficou desolado. Jamais hesitante, ‘Iraqi abandonou seus livros e o manto que o distinguia como um estudante de teologia. Não levando nada consigo, apressou-se para juntar-se ao grupo, e quando o encontrou, improvisou os seguintes versos:
“Estive em Meca, no círculo da Caaba
mas eles impediram minha entrada,
dizendo: ‘Fora daqui! Que mérito ganhaste aí fora para te admitíssemos aqui dentro?
Então, na noite passada, eu bati na porta da taverna.
De dentro chamou uma voz: ‘ ‘Iraqui! Entra!
Pois tu és um dos escolhidos!’”
Os Qalandars entenderam imediatamente que esta referência à porta da taverna significava o umbral da câmara do coração onde se pode encontrar o vinho da sabedoria, e então eles o acolheram em seu meio.
Juntos, eles perambularam pela Pérsia Oriental até a Índia, chegando por fim a Multan (agora o Paquistão). Lá eles encontraram o shaykh Baha’uddin Zakariyya’ Multani, o terceiro grande mestre da tradição Suhrawardi, e que ainda em vida foi conhecido como quth, kabir e munir, ou seja, o Paradigma da Época, o Grande, e o Iluminador. Enquanto dava refrescos aos Qalandars, os olhos de Baha’uddin caíram sobre ‘Iraqi.
Ele disse a um discípulo: “Este jovem está completamente preparado, deve ficar conosco”. De sua parte, ‘Iraqi sentiu uma tal atração para o shaykh que ele chegou a temer por seu estado mental e insistiu que ele e seus companheiros partissem imediatamente. Com seu apelo, os amigos partiram para Délhi, onde permaneceram por algum tempo. Quando partiram para Somnath uma tempestade os separou, e ‘Iraqi foi forçado a voltar para Délhi. Considerando este revés como um sinal, ‘Iraqi voltou sozinho para Multan e colocou-se aos pés de Baha’uddin.
O shaykh aceitou-o e instruiu-o a entrar em um retiro completamente isolado. Dentro de poucos dias, contudo, ‘Iraqi irrompeu em versos extáticos. Discípulos chocados relataram sua cantoria impetuosa ao shaykh, que veio ouvir. “Teu trabalho terminou”, disse o shaykh, e, chamando ‘Iraqi para fora de sua cela, vestiu-o pessoalmente com o manto do discípulo maduro e casou-o com sua própria filha. Uma vez que a tradição Suhrawardi era conservadora em sua conduta exterior, muitos dos discípulos do shaykh se ressentiram das liberdades permitidas a este místico espontâneo.
Não obstante, ‘Iraqi permaneceu com Baha’uddin, teve um filho e serviu fielmente seu mestre durante vinte e cinco anos. Quando o shaykh sentiu a morte se aproximar, indicou ‘Iraqui como seu sucessor. Depois de providenciar que Baha’uddin tivesse um sepulcro digno – que existe até hoje em Multan – ‘Iraqi, sabendo que muitos dos discípulos antigos estavam planejando sabotar sua liderança, renunciou ao cargo e partiu para Meca com alguns poucos amigos.
‘Iraqi embarcou para Omã, onde já havia obtido uma reputação como poeta inspirado. O sultão deu-lhe boas-vindas, alojou o grupo em seu próprio palácio e tornou ‘Iraqi o shaykh principal da região. Quando ‘Iraqi havia já descansado, pediu permissão para viajar a Meca, mas o sultão demonstrou tal relutância em deixá-lo ir que ‘Iraqi sentiu que seria obrigado a partir em segredo. Ele viu-se honrado em toda parte a que chegasse, e sua estada em Meca e Medina foi de fervorosa alegria e profunda meditação. Por fim ele decidiu ir a Damasco, e dois de seus amigos de Multan viajaram com ele.
De lá eles viajaram para Rum (a moderna Turquia) e se encaminharam para Konya. Lá eles encontraram dois notáveis sufis, Jalaluddin Rumi e Sadruddin Qunawi, o sucessor de Ibn al-’Arabi e principal shaykh de Konya. A amizade de ‘Iraqi com Qunawi, que recebeu iniciação na ordem Suhrawardi, haveria de perdurar até sua morte.
O intelecto de ‘Iraqi foi refinado com este relacionamento, assim como seu espírito havia sido revigorado por sua amizade com Baha’uddin. Quando ‘Iraqui chegou a Konya, juntou-se aos estudantes que estavam ouvindo as palestras de Qunawi sobre o Fusus al-hikam (Os Selos da Sabedoria) de Ibn al-’Arabi.
Depois de ouvir a cada prédica, ‘Iraqui compunha uma meditação sobre o que havia ouvido, e assim nasceu sua grande obra, o Lama’ at (Lampejos) (de luz). Quando apresentou o Lama’ at para Qunawi, ele o leu, beijou-o como um muçulmano beija um escrito sagrado, e disse: “Iraqui, tu divulgaste o segredo das palavras dos homens”.
‘Iraqui permaneceu íntimo de Qunawi. Mesmo quando ele viajou para Medina e Damasco seguindo um sonho em que o falecido Ibn al-’Arabi ordenou que ele visitasse sua tumba, ‘Iraqui escreveu longas e amorosas cartas para Qunawi, implorando ao seu “segundo mestre” para aparecer-lhe em sonho e ordenar-lhe que voltasse. ‘Iraqui reunia discípulos em seu redor com facilidade, incluindo o administrador de Rum, Amir Mu’inuddin Parwanah.
A despeito da completa falta de cuidado para consigo mesmo de ‘Iraqui, Parwanah insistiu em construir um abrigo para ele em Tokat e o visitava diariamente. Nesta época o imperador mongol Abaka governava Rum, e o imperador mameluco Baybars o atacou a partir do Cairo. Em 1277, Baybars venceu as forças de Abaka e foi coroado imperador de Rum. Parwanah, que havia servido Abaka, fugiu, mas seu filho foi capturado e levado para o Cairo.
Quando os mamelucos se retiraram do Egito, Abaka acusou Parwanah de traição. Sabendo que seria executado, Parwanah visitou ‘Iraqui e deu-lhe uma bolsa cheia de pedras preciosas. Ele pediu a ‘Iraqui que as usasse para resgatar seu filho e tornar o menino um Sufi indiferente ao poder político.
Rum e a Anatólia caíram na rebelião e na desordem devido às guerras, e Abaka enviou seu irmão, Kangirty, para restabelecer o governo mongol. Suspeitando que ‘Iraqui estivesse de posse da riqueza do infeliz Parwanah, Kangirtay enviou seu vizir erudito para espionar ‘Iraqui. O vizir ficou tão encantado e inspirado pelas atitudes e discursos de ‘Iraqui que esqueceu completamente sua missão secreta. Quando ele voltou para Kangirtay, contudo, ele descobriu que haviam sido enviadas tropas para prender ‘Iraqui. Ele rápido avisou ‘Iraqui e incitou-o a fugir, mandando uma bolsa com mil dinares para ajudar na fuga.
‘Iraqui deixou a atribulada Tokat e viajou primeiro para Sínope, governada pelo filho de Parwanah, e depois para o Cairo. Lá ele solicitou e obteve uma audiência com o sultão e ofereceu, ainda fechada, a sacola de joias. Quando o sultão soube que este ato havia sido uma promessa a Parwanah e que ‘Iraqui não havia ficado com nada para si mesmo, libertou o filho de Parwanah e concedeu-lhe os privilégios de príncipe, e sentou-se aos pés de ‘Iraqui para ser instruído. Maravilhado com as palavras de ‘Iraqui, indicou-o como principal shaykh do Cairo e ordenou uma procissão geral para assinalar a indicação.
No dia seguinte o vizir do sultão vestiu ‘Iraqui com finas roupas e um belo turbante, e, colocando-o em um cavalo, reuniu todos os eruditos, nobres e generais da corte a pé em seu redor. Olhando em seu redor, ‘Iraqui subitamente jogou longe o turbante e sentou-se quieto por alguns minutos.
Então, inesperadamente, recolocou o turbante e fez sinal para que a procissão prosseguisse. Notícias deste estranho comportamento chegaram ao sultão, que pediu uma explicação para ‘Iraqui. ‘Iraqui assinalou que nenhum outro homem da época havia recebido tamanho respeito, e que ele havia removido o turbante até certificar-se de que não havia mais nenhum sinal de orgulho ou egoísmo em seu peito. O sultão, comovido por tamanha simplicidade espiritual em um mundo de ambição, decadência e esplendor, dobrou sua pensão. Mas ‘Iraqui queria voltar para Damasco, e com o tempo convenceu o sultão. Foram soltos pombos-correio de modo que cada lugar no caminho fosse informado e pudesse acolher o ilustre peregrino.
Mesmo antes de ‘Iraqui deixar o Cairo, o rei de Damasco indicou-o shaykh principal de sua cidade, e ele foi recebido entusiasticamente pela população local. Seis meses depois de ‘Iraqui chegar em Damasco, seu filho, Kabiruddin, veio de Multan para juntar-se a ele. Depois que ‘Iraqui havia deixado o posto de sucessor de Baha’uddin, o filho do shaykh havia assumido seu lugar, para ser sucedido, por sua vez, por Kabiruddin, o qual, como seu pai, renunciou a ele. Um sonho o havia instruído a partir para Damasco, e um outro sonho havia dito aos discípulos para que o deixassem ir.
Kabiruddin viveu com seu pai por alguns meses, quando uma súbita moléstia atingiu ‘Iraqui. Ele caiu num sono febril por cinco dias. No sexto, despertou e chamou seu filho e companheiros. Dando-lhes adeus, ele deu voz a uma quadra:
“Quando, por Decreto, este mundo foi criado
o trabalho não foi feito depois da falta de Adão;
mas do destino naquele Dia assinalado
ninguém escapará, nem jamais escapou”.
‘Iraqui “bebeu a taça do destino” em 23 de novembro de 1289, e toda a cidade lamentou. Ele foi enterrado no cemitério de Salihiyyah ao lado do túmulo de Ibn a-’Arabi. Kabiruddin foi indicado seu sucessor, e quando ele também deixou os laços da carne mortal, foi enterrado perto de seu pai. Estes túmulos se perderam no processo de restauração da tumba de Ibn al-’Arabi empreendido pelo sultão Selim no século 16. Não obstante, mesmo hoje, quando os peregrinos visitam o memorial de Ibn al-’Arabi, dizem: “Este foi o oceano dos árabes”, e voltando-se para o outro lado, dizem de ‘Iraqui: “Este foi o oceano dos persas”.
Ao contrário de Ibn al-’Arabi, que o inspirou profundamente, ‘Iraqui, não escreveu tratados elaborados sobre assuntos gnósticos. Ele havia começado em Multan a escrever poesia, principalmente lírica e quadras. Perto do fim de sua vida ele compôs a ‘Ushshaq-nama (Canção dos Amantes), que dedicou ao vizir que o havia ajudado a escapar dos soldados de Kangirtay, e alguns poemas para parentes de Parwanah em Sínope.
O Lama’ at, contudo, permanece como sua obra-prima e como uma das maiores obras Sufis, no qual as doutrinas da gnose, al-ma ‘rifah, são expressas na linguagem do amor, al-mahabbah. O primeiro deles havia sido o Centelha do Amor, de Ahmad Ghazali, o irmão de Al-Ghazali, e o segundo foi o Sobre a Realidade do Amor, de Shihabuddin Suhrawardi.
O Lama’ at de ‘Iraqui, o mais belo trabalho em seu gênero na literatura persa, inspirou toda uma tradição de tratados poéticos na Pérsia e na Índia. Olhando para o Oriente, ele funde tashbih e tanzih, imanência e transcendência, de modo que o Divino, o Sempre-incognoscível em Si mesmo, é espelhado em toda parte e a todo o tempo. Olhando para o Ocidente, e especialmente para a tradição platônica, propõe uma cadeia desde o amor pelas formas – ‘ishq-i majazi, o amor aparente – até o amor pelo Divino – ‘ishq-i haqiqi, o amor verdadeiro – onde a beleza formal foi transmutada em al-jamil, a Beleza em Si mesma, um Nome Divino.
Os teólogos gradualmente e a contragosto permitiram entrada à palavra mahabba, amor, no vocabulário do discurso sagrado, porque ela tem uma conotação de “obediência”. Em torno do século 10º os filósofos se sentiram livres para falar do hubb’ udhri, o amor Platônico, o amor casto e contemplativo pelo ideal. ‘Iraqui chocou os ortodoxos e até mesmo os Sufis ao insistir no ‘ishq, o amor apaixonado, para enfatizar o ardente amor da alma pelo Divino, pois ele acreditava que a alma devia experimentar a consciência da separação do Amado bem como a de sua união com o Divino. Só quando a doçura da separação pudesse ser saboreada espiritualmente o devoto estaria pronto para retornar voluntariamente de uma teofania abrangente para o mundo atribulado, a fim de ajudar os outros.
No Islã a profissão fundamental de fé havia sido sempre a Shahada, que diz: “La ilah illa Allah” (Não há outro Deus senão Alá, ou Deus), e Alá significa “o (Único) Deus”, O Lama’ at é uma elaboração de ‘Iraqui de sua reformulação da Shahada: “La ilaha illa’l-’ishq” (Não há outro deus senão o Amor), um aforismo usado frequentemente pelos sufis turcos de hoje.
“Remoto está o Amor acima das aspirações humanas,
muito acima das lendas de união e separação;
Pois o que transcende a imaginação
escapa de toda metáfora e explicação”.
‘Iraqui não pretendia que sua própria intuição fosse suficiente para o entendimento. Seu Lama’ at foi uma resposta aos ensinamentos de Ibn al-’Arabi; ele seguiu dois mestres em sua vida, e começou sua obra com uma invocação de Maomé como Mestre arquetípico. Como o principal guru dos sufis, Maomé é feito dizer:
“No paraíso da teofania eu sou o Sol:
Não vos admireis que cada átomo manifeste a mim.
… Eu sou Luz. Todas as coisas são vistas no meu desvelamento
e de minuto a minuto minha radiância aumenta.
Os Nomes Divinos frutificam em mim.
Vêde: Eu sou o espelho da Essência brilhante.
Estas luzes que ascendem no Oriente do Nada
são eu mesmo, todas elas – mas eu sou ainda mais”.
Se o Amor, al-’ishq, é a Deidade sem atributos, então tanto o amante como Amado derivam d’Ela, “mas o Amor sobre o Seu Trono poderoso é purificado de toda entificação, no santuário de Sua Realidade santo demais para ser tocado pela interioridade ou pela exterioridade”. Tanto o amante, cuja alma está voltada para o Divino, quanto o Amado, que é a mais excelsa visão da Deidade, são espelhos um do outro.
A existência dos mundos visível e invisível não passa de uma manifestação do Amor como luz. Esta teofania primordial é a um tempo as leis ocultas da Natureza e sua realização consciente no Homem.
“A Manhã da Manifestação suspirou, a brisa da Graça soprou gentilmente, ondas se agitaram no mar da Generosidade… O amante, então, saciado com a água da vida, despertou do sono da não-existência, vestiu a roupa do ser e atou em volta de sua testa o turbante da contemplação; cingiu o cinturão do desejo em seu flanco e caminhou com os pés da sinceridade sobre a senda da Busca”.
A Unidade da Fonte, além mesmo do Um quando contrastado com o Dois, impele a busca do amante por aquilo que, de fato, é ele. A questão espiritual consiste em infundir vida em imagens cada vez mais sutis – primeiro no mundo, e depois na consciência – apenas para descartá-las como representações inadequadas da meta, até que mesmo as ideias de “busca” e “meta” sejam completamente transcendidas. A questão “Onde está o Amado?” e a questão “Quem sou eu?” são a mesma.
“Ouve, abelhudo,
tu queres ser Tudo?
Então vai,
vai e torna-te Nada…
Não imagine que este caminho
tenha dois rumos:
Raiz e ramos
são Uma só coisa.
Vê de perto: tudo é Ele –
Mas Ele se manifesta através de mim.
Sou tudo, sem dúvida –
Mas através d’Ele”.
Para ‘Iraqui o Divino se manifesta através do movimento dos seres, pois eles são atos do Divino. Este é o sentido da máxima de Maomé: “Quem conhece a si mesmo conhece ao seu Senhor”. É o Divino no homem quem ama, quem vê, quem invoca e quem consuma. Assim, a convicção do buscador é o Divino nele mesmo, e todo amor, qualquer que seja seu objeto ou imagem, “não passa de um aroma de Teu perfume: ninguém mais pode ser amado”.
O sufi considera que amar outra coisa que não o Divino não é um caso de certo ou errado, mas de uma impossibilidade. A compreensão de que o amor não só perpassa todas as coisas mas é todas as coisas é a raiz da resolução espiritual de procurar o Amado através de todos os obstáculos, testes e provações, a fonte da conduta moral e a base da significância. Não obstante, o Amado é sempre maior do que o espelho que é o amante.
“Como pode o Significado ser espremido na caixa da Forma?” Mesmo os véus luminosos ou sombrios, ditos por alguns serem 70 mil, entre o Absoluto e o ser humano, cegam e enganam somente aquele que busca a forma antes do que o significado.
“Tu estás oculto do mundo
em Tua própria manifestação…
Oculto, manifesto,
tudo ao mesmo tempo:
Não és isto, nem aquilo –
Mas és ambas as coisas”.
Os véus da manifestação que parecem ocultar a unidade transcendente do Divino são apenas os Nomes e Atributos Divinos através dos quais Ele age, isto é, dá origem aos seres. Eles são as potências criadoras inteligentes da manifestação.
“Marca bem: se estes véus fossem meramente atributos humanos deviam ser destruídos até virarem nada… Mas de fato isto jamais acontece; a visão jamais os destrói, tampouco eles deixam de bloquear nossa visão. Assim, estes véus não devem ser humanos, mas sim Divinos, Nomes e Atributos de Deus: luminosos como a manifestação, a benevolência e a Beleza; tenebrosos como a não-manifestação, o domínio absoluto e Majestade…
Mas a teofania da Essência age ela mesma por detrás do véu dos Atributos e Nomes… Por fim o Divino é Seu próprio véu, pois Ele se oculta pela própria intensidade de Sua manifestação e Se vela pela própria potência de Sua Luz”.
Para ‘Iraqui a aritmética provê analogias que indicam o que deve ser feito para nos dirigirmos ao Amado. Uma vez que o Divino é um só e o indivíduo deve se tornar um espelho perfeito do Divino, o indivíduo também deve se tornar um só. Geometricamente, devemos nos tornar uma esfera congruente com a esfera do Divino.
“A Realidade é uma esfera: onde quer que coloquemos nosso dedo, ali está seu centro morto”. É o círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em lugar algum. “Nossas tintas e cores são apenas opinião e fantasia.
Ele é incolor e devemos adotar o Seu matiz”. Se não houvesse nenhum Sol Espiritual da Manifestação, não haveria formas sombrias, pois as sombras não podem existir na Escuridão Divina. Mas quando o Sol brilha completamente em toda parte não há sombra alguma.
Este é o paradoxo da origem e da meta da pessoa. As etapas do caminho até a meta, a dissolução do paradoxo, são marcadas pelo fato de que quanto mais se ama, mais se tem sede de amor – é como beber água salgada. Requer-se pobreza de alma, pois o mesmo vento que apaga a vela do homem rico atiça a tocha fanada do mendigo.
E se o amante consegue a união, o apagamento da linha de separação deixa uma marca, uma lembrança da suavidade do anelo do amor, e o amante desejará voltar ao mundo, agora revestido de cores divinas e despido de cores mundanas, para aperfeiçoar os que permanecem à meia-luz da ignorância.
Finalmente, o amante deve ter esperança, pois “o desespero de modo algum é obrigatório”, e esta esperança pode se expandir para uma esperança profunda e inabalável por toda a humanidade.
A união final entre amante e Amado dissolve a ambos, e só permanece a Deidade. Este é o entendimento Sufi do “Não há deus além de Deus” – não existe nada de real senão o Divino. ‘Iraqui buscou por toda sua vida realizar esta única ideia, e qualquer que tenha sido sua realização final, a cada dia ele fortalecia sua convicção ao longo do caminho que é a escada do Amor colocada entre a Terra e o Divino incompreensível.
“Quando o amante contempla a beleza do Amado em forma de espelho, nascem a dor e o prazer, manifestam-se a tristeza e a alegria, surgem juntos o medo e a esperança, a contração e a expansão se alternam.
Mas quando nos despimos das vestes da forma e mergulhamos da Unidade do Oceano Todo-abrangente, já não sabemos nada de tormentos ou de beatitude, de expectativa ou preocupação, de medo ou esperança; pois estas coisas dependem do passado e do futuro, mas agora nos afogamos em um mar onde o Tempo é abolido, onde tudo é Agora sobre Agora”.