sábado, novembro 23, 2024

A farra dos sacos plásticos

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    (André Trigueiro: pós-graduado em meio ambiente, jornalista, redator e apresentador do Jornal das 10, da Globonews, desde 1996)

    “Creio que um dos primeiros presentes que recebi de meus sogros em Viena foram 2 bolsas de algodão para ir ao Supermercado. Depois compreendi.”

    No Brasil os supermercados, farmácias e boa parte do comércio varejista embalam em saquinhos tudo o que passa pela caixa registradora. Não importa o tamanho do produto que se tenha à mão, aguarde a sua vez porque ele será embalado num saquinho plástico.

    O pior é que isso já foi incorporado na nossa rotina como algo normal, como se o destino de cada produto comprado fosse mesmo um saco plástico. Nossa dependência é tamanha que quando ele não está disponível costumamos reagir com reclamações indignadas.

    Quem recusa a embalagem de plástico é considerado, no mínimo, exótico.

    Outro dia fui comprar lâminas de barbear numa farmácia e me deparei com uma situação curiosa: a caixinha com as lâminas cabia perfeitamente na minha pochete. Meu plano era levar para casa assim mesmo. Mas num gesto automático,a funcionária registrou a compra e enfiou rapidamente a mísera caixinha num saco onde caberiam seguramente outras dez.

    Pelas razões que explicarei abaixo, recusei gentilmente a embalagem.

    A plasticomania vem tomando conta do planeta desde que o inglês Alexander Parkes inventou o primeiro plástico, em 1862. O novo material sintético reduziu os custos dos comerciantes e incrementou a sanha consumista da civilização moderna.

    Mas os estragos causados pelo derrame indiscriminado de plásticos na natureza tornou o consumidor um colaborador passivo de um desastre ambiental de grandes proporções. Feitos de resinas sintéticas originadas do petróleo, esses sacos não são biodegradáveis e levam séculos para se decompor na natureza.

    Usando a linguagem dos cientistas, esses saquinhos são feitos de cadeias moleculares inquebráveis, e é impossível definir com precisão quanto tempo levam para desaparecer no meio natural. No caso específico das sacolas de supermercado, por exemplo, a matéria-prima é o plástico filme, produzido a partir de uma resina chamada polietileno de baixa densidade (PEBD).

    No Brasil são produzidas 210 mil toneladas anuais de plástico filme, que já representa 9,7% de todo o lixo do país. Abandonados em vazadouros, esses sacos plásticos impedem a passagem da água, retardando a decomposição dos materiais biodegradáveis, e dificultam a compactação dos detritos.

    Essa realidade que tanto preocupa os ambientalistas no Brasil, já justificou mudanças importantes na legislação – e na cultura – de vários países europeus.

    Na Alemanha, por exemplo, a plasticomania deu lugar à sacolamania (cada um levando sua própria sacola). Quem não anda com sua própria sacola a tiracolo para levar as compras é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso de sacos plásticos. O preço é salgado: o equivalente a sessenta centavos a unidade.

    A guerra contra os sacos plásticos ganhou força em 1991, quando foi aprovada uma lei que obriga os produtores e distribuidores de embalagens a aceitar de volta e a reciclar seus produtos após o uso. E o que fizeram os empresários? Repassaram imediatamente os custos para o consumidor. Além de antiecológico, ficou bem mais caro usar sacos plásticos na Alemanha.

    Na Irlanda, desde 1997 paga-se um imposto de nove centavos de libra irlandesa por cada saco plástico. A criação da taxa fez multiplicar o número de irlandeses indo às compras com suas próprias sacolas de pano, de palha e mochilas.

    Em toda a Grã-Bretanha, a rede de supermercados CO-OP mobilizou a atenção dos consumidores com uma campanha original e ecológica: todas as lojas da rede terão seus produtos embalados em sacos plásticos 100% biodegradáveis. Até dezembro deste ano, pelo menos 2/3 de todos os saquinhos usados na rede serão feitos de um material que, segundo testes em laboratório, se decompõe 18 meses depois de descartado. Com um detalhe interessante: se por acaso não houver contato com a água, o plástico se dissolve assim mesmo, porque serve de alimento para microorganismos encontrados na natureza.

    Não há desculpas para nós brasileiros não estarmos igualmente preocupados com a multiplicação indiscriminada de sacos plásticos na natureza. O país que sediou a Rio-92 (Conferência Mundial da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente) e que tem uma das legislações ambientais mais avançadas do planeta, ainda não acordou para o problema do descarte de embalagens em geral, e dos sacos plásticos em particular.

    A única iniciativa de regulamentar o que hoje acontece de forma aleatória e caótica foi rechaçada pelo Congresso na legislatura passada.

    O então deputado Emerson Kapaz foi o relator da comissão criada para elaborar a “Política Nacional de Resíduos Sólidos”. Entre outros objetivos, o projeto apresentava propostas para a destinação inteligente dos resíduos, a redução do volume de lixo no Brasil, e definia regras claras para que produtores e comerciantes assumissem novasn responsabilidades em relação aos resíduos que descartam na natureza, assumindo o ônus pela coleta e processamento de materiais que degradam o meio ambiente e a qualidade de vida.

    O projeto elaborado pela comissão não chegou a ser votado. Não se sabe quando será.

    Sabe-se apenas que não está na pauta do Congresso.

    Omissão grave dos nossos parlamentares que não pode ser atribuída ao mero esquecimento.

    Há um lobby poderoso no Congresso trabalhando no sentido de esvaziar esse conjunto de propostas que atinge determinados setores da indústria e do comércio.

    É preciso declarar guerra contra a plasticomania e se rebelar contra a ausência de uma legislação específica para a gestão dos resíduos sólidos. Há muitos interesses em jogo.
    Qual é o seu?

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